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Paula Cruz
Nasceu no Porto, 1961.

 

Ao longo da vida Paula Cruz desenvolveu

a criatividade e auto-conhecimento, irrompendo com determinação nas artes plásticas.

 

 

  • Curso – Psicologia - Universidade Fernando Pessoa, Porto.

 

  • Mestrado – Arte Terapia

 

  • MFA – Master of Fine Arts - Universidade de Danube, Krems Organizado por Transart Institut, USA. Iniciado a 2004

 

  • Residencial de Arte - Hungary  Multicultural Center, Budapeste. 2005

 

  • Residencial de Arte - Vermont Studio Center, Johnson - USA. 2002

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Livros editados

  • "Consciência Mutante", Rio de Janeiro, Editora Raízes, 1997

  • "Retratos do Inconsciente", Porto, Editora Amores Perfeitos, 2002

  • "Arteterapia - Pintura Emocional", Lisbon International Press

 

 

Professor Fernando Pernes

Sobre Paula Cruz - O Corpo da Alma

Pintura matérica, tecida entre o grito e o sonho, o sangue e a terra, vinda dum não se sabe quando das raízes do mundo para uma visão cheia de luz na noite. Assim nos surgirá, num primeiro olhar, esta obra de Paula Cruz.

De conexão a sua outra linguagem verbal, tornada autêntico poema manual. Revelado em incandescências fogosas, a abrirem-se a abafadas auroras de desejado novo dia. Que atravessam o eco do tempo, vertido espaço visível. Onde as formas surgem arrebatadas do caótico para se simplificarem. Concebidas por linhas densas a serem, frequentemente, derivadas para enérgicas estruturas rectangulares ou esféricas. Mas sempre transpirantes de ardor escorrente.

Pelo que se poderá dizer assistirem o genérico e o visceral a todo um já vasto imaginário da autora. Sentido assaz feminino. No sabor uterino das suas composições, duplamente penetradas pelos contrastes do cromatismo intenso com o negro doloroso.

A exprimirem subtis memórias de vividos êxtases da carne e do espírito indissociáveis. De cuja plena unidade só a mulher sabe, através de conjuntas experiências do calor amoroso e do esplendor do parto. Ou seja: no casamento do sensual com o espiritual. A fecundar a funda consciência de certas alegrias e dores, aproximativas do mais intenso vitalismo inerente à pobre e nobre condição humana, afinal sempre condenada à morte.

Muito de tudo isso habitará, de facto, os melhores quadros de Paula Cruz, gerados no táctil e no espesso. Além de assumirem pulsões momentâneas aspirando ao atemporal. Consoante ao que se deseja na mística de Rouault. Segundo o qual o artístico seria sempre aproximação ao sagrado. Enquanto para Matisse, a vera sublimação das rítmicas curvilíneas as tornaria irradiantes da lumisosidade de Eros.

No presente caso da referida autora, ambas as referidas formulações sensíveis percorrem a sua obra, como aí ressoam juntamente o prazer e o sofrer. Sucedendo não ser, para si, a pintura nem representação, nem discurso erudito, mas antes revelação duma interioridade psíquica indizível. Sem se pretender afim de ortodoxias estéticas porque aproximada de algo fantasmático. Numa expressividade denotável perante certas evanescências de bem flagrante singularidade, vindas com súbitos timbres ensombrecidos. A revelarem, de quando em quando, ora evidentes, ora subjacentes, vagos perfis e rostos de mulheres. A serem interpretadas na visualidade de almas apelativas à ressurreição dos corpos, na saudade de paixões havidas ou desejos esmagados. Quiçá mercê dos puritanismos que, numa hipocrisia mascarada de virtude, ainda não cessaram de haver, ao longo de séculos.

Ora no presente aqui e agora da pintora, a ser-nos revelado, dir-se-ia projectar-se o desmacar das mencionadas, ainda subsistentes, convenções de mentira puritana. A que ela opõe o primado da verdade desprendida do ventre para a pureza existencial. Consigo exaltada a ponto de até a levar ao aproximar de incontido brutalismo, a conduzir-nos a sugestões de remoto outrora, envolventes de sua pintura de inequívoca actualidade com sonoridades barroquistas e primitivistas.

Mas não foi certamente por acaso (lembrem-se Picasso e Klee) que a arte da modernidade recuperou mítica ancestralidade arcaica. Obviamente mais imaginada do que vivida. E, na circunstância em causa, retomada num aproximar as mães do mundo, a serem, certamente ainda, mais violadas do que amadas. Além de se contarem por milhões as anónimas irmãs da artista, frustradamente sabedoras das injúrias e sarcasmos viris, tantas vezes respondendo ao feminino desejo da paixão.

A ser porém com Paula, aproximado e venerado. De modo a fundamentar o cerne das suas cultura e poética, a desprenderem-se dos quadros com seu nome, sustentando a esperança de viver.

Por isso nos cumprirá dizer-lhe: obrigada Paula Cruz. Por assim ser, saber, pensar e dar a ver. Em franca clareza comunicativa. A anunciar um amanhã viavelmente a nunca mais aparecer…

 


Bernardo Pinto de Almeida Janeiro 2003

Há um momento em que aqueles que julgam que em si corre uma espécie de rio subterrâneo, que uns chamam talento e outros maldição, não devem nem podem continuar a ignorá-lo, e que devem dar-lhe possibilidades de que salte as suas margens, os seus limites, aquilo que o contém e que pode fazer parte do medo, da superstição, do controle excessivo que tantas vezes, talvez injustamente, impomos a nós mesmos. O que é verdade e contingência da sabedoria que em cada um cresce, lentamente. É justo que cada rio possa encontrar o mar a que pertence, porque a nascente não o alberga já, e também o leito ferve da sua áspera passagem. E há sempre uma altura, na vida de cada um que é atormentado por esse talento, em que ele decide, contra toda a probabilidade, deixar que isso se faça, como movimento da consciência e do seu próprio crescimento.
Não vou também dizer que um talento serve, por si mesmo, para alguma coisa. Bem melhor estaria o mundo se não sobrassem nele tantos talentos e tivesse sido a natureza mais parca em os distribuir. Todo o talento que não se educa - e o primeiro sinal de educação consiste precisamente em contê-lo até que se perceba que não se pode mais segurar a sua força - é um talento perdido, nado-morto, espécie de excrescência que muitas vezes se realiza na vaidade de se saber presente, ou exulta no seu próprio narcisismo, fascinado de si como um espelho ao espelho, que está condenado afundar-se a si mesmo. O talento, sendo dom, só se merece no esforço, na luta que o arranca a si mesmo e o projecta para além de si.
Não é isto portanto defesa de que cada um solte o seu lado mais brutal ou mais difícil, em nome do que se chama expressão. Nem muito menos daquilo que se designa por auto-expressão, que consiste naquele direito que todo o pequeno e médio intelectual ou artista, ou lá o que é, sente que lhe pertence como um dom de Deus.
Todo o que recebe um talento sabe, quando não perdeu de vez o juizo, que esse carácter de dom só se cumpre na dádiva, isto é, no pô-lo ao serviço de uma coisa que é maior do que o próprio, e o transcende, em muito pouco lhe aproveitando, senão quantas vezes em lhe dando dificuldades com quantos o rodeiam, tornando quem o possui um excluído ou um estigmatizado dessa sorte.
Paula Cruz teve o dom de vários talentos. O da poesia, o da pintura, o dos seus filhos. O de ter sabido aprender coisas do mundo, viajante que é e foi até lugares longínquos, dentro e fora de si. E mais do que todos o de ter compreendido que tal como não se pode negar o talento que em si mesmo, se descobre, também não vale a pena expô-lo ao mundo antes que se faça dele meio de uma comunicação maior, mais alta, mais preciosa. Que se consuma na dádiva do que com ele se aprende.
Esta sua primeira exposição, violenta nas suas imagens, entre vulcânicas e uterinas - ou seja, entre exteriores, explosivas, e interiores, implosivas, secretas - dá-nos sinal disso mesmo. De uma medida reconhecida de que o talento não se confina em si mesmo e que se multiplica quando uma consciência forte o habita para o transfigurar em outra coisa, mais possante, mais afinada, mais comunicante.
Não se procure pois, nelas, senão o rasto desse esforço, dessa ascenção para uma sabedoria que consiste apenas em não se auto-deslumbrar mas sempre em exigir que tudo o que é dom se cumpra em dádiva. E de que tudo o que foi dado se reveja sempre e apenas no espelho de um outro que humildemente se procura.
Essa é a sua maior qualidade, e não é pequena.

 

Paulo Cunha e Silva, Porto 2003

O vermelho e o negro
Um dos aspectos mais característicos dos trabalhos que Paula Cruz aqui apresenta tem que ver com a sua independência formal. De facto, não se vislumbra nenhum organizador estético que remeta para uma filiação óbvia ou um enquadramento plástico facilmente reconhecível. Porquê? porque para a autora a pintura se tem traduzido num pessoalíssimo processo de organização do mundo interior em detrimento da observação dos canônes artisticamente correctos. Nestes casos podemos falar da arte como uma extensão de um mundo sensível. Da arte para lá do cumprimento de critérios formais adoptados pela comunidade artística na esperança de um reconhecimento, ainda que fátuo e vão, dos sues pares.
A arte contemporânea, por vezes, parece ser o cumprimento de um receituário mais ou menos reconhecível, a utilização de um conjunto de soluções de efeitos imediatos e resultados fáceis, mas de pertinência duvidosa.
Creio ser possível voltar a pensar a arte a partir desta ideia de um resgate da interioridade, da transformação da interioridade obscura numa exterioridade clara. É óbvio que esta tendência a que podemos chamar lírica, expressionista, informal, subjectiva, não aparece agora por geração espontânea. Tem, naturalmente, a sua genealogia inscrita na História da Arte. E teve no século XX cultores que a transformaram num dos grandes eixos plásticas, que vão de Kandinsky a Pollock, ou a Tapies, ou a Kiefer. A arte pode assim ser legitimamente só um grito (como o de Munch), só uma experiência sensorial. O autor pode só querer mostrar a cor da sua alma, independentemente do recurso a soluções de efeito seguro.
Com os trabalhos de Paula Cruz setimo-nos neste universo. Sentimo-nos perante esta vontada de expressão. Como se a linguagem fosse insufuciente para conter o desejo de comunicar. Como se estivéssemos para lá de Wittgenstein quando este afirma que "o meu mundo é tudo o que cabe na minha linguagem". Aqui o mundo está para lá da linguagem, por isso é preciso pintá-lo, ou seja, criar mais linguagem através da ortografia da cor e da gramática da matéria.
A pintura tansforma-se num poemacto (para usar o titúlo de Herberto Helder), numa manifestação do lirismo do autor a que neste caso não será alheio o facto de Paula Cruz ser, também, autora literária. De resto, parece haver nos seus carregados e violentos vermelhos e negros uma inspiração literária de matriz stendhaliana.
O vermelho e o negro são cores com uma importante densidade sentimental. São cores que expressam impressões fortes. E nos trabalhos de Paula Cruz há, sistematicamente, este fascínio pela cor forte. Tão forte que, por vezes, arrasta consigo matéria que é incorporada nos próprios quadros. Como se no momento da criação houvesse um vórtice, um turbilhão que levantasse tudo o que estava à volta e fizesse com essa periferia do quadro o próprio quadro. Como se o quadro fosse construido com os resíduos da mundo. Como se uma pintura berrante pudesse conter o berro que a autora quer dar.
Estamos assim perante uma pintura de grande densidade energética (e por isso também de grande densidade matérica: lembremo-nos da conversibilidade einsteiniana entre matéria e energia, E=mc2). Esta pintura explosiva é, também, uma espécie de catarse. De grito da alma que encontrou na tela a superfície mais oportuna para se exprimir. A pintura é aqui uma extensão, uma continuação do mundo interior que se organiza atraves da pulsão cromática e matérica da autora.

 

Renée Phillips, 2003

Grandes e provocadores, os quadros de Paula Cruz, libertam uma panóplia de expressões vibrantes.
Inquietantes às vezes, frequentemente luminosos e sempre viscerais, eles estão imbuídos de uma refrescante e crua intensidade.
Tons de vermelho, pontuados a preto e amarelo injectam estes trabalhos de vigor.
As cores do sangue, da paixão e do desconhecido, transportam-nos para dentro das telas. Movemo-nos então aí, através de camadas fortes de tinta, de incrustações sensuais e sofridas de espessos e escorregadios magnas viscosos.
Enigmáticas formas de vida e ambíguas abstracções desenrolam-se perante os nossos olhares. Penetramos nos seus santuários misteriosos, como se estivéssemos a penetrar em diferentes mundos em simultâneo.
Descobrimos neste processo, o percurso visual e espiritual da artista, bem como desmascaramos os nossos próprios níveis de consciência.
Paula Cruz utiliza um vocabulário rico e versátil para levantar multiplas questões sobre a vivência humana.
A sua inspiração parece chegar-lhe de fontes diversas, tais com pinturas rupestres, culturas tribais e simbologia religiosa.
Fertilidade, consciência, amor e mortalidade são só algumas das questões que preocupam a artista, enquanto pintora e enquanto poeta.
A sofisticação e a excelência estão presentes, coabitando com os impulsos da intuição e com a iconografia primitiva.
A morfologia curvilínea cria uma arquitectura excitante de onde a simbologia da linguagem dos sonhos aparece e desaparece, intermitente, vinda do mundo das sombras.
Mais importante ainda, é que as imagens transcendem qualquer associação em particular, para se transformarem em imagens Universais sobre o nascimento e a morte, a transformação e a consolidação.
Ao conseguir isto, Paula Cruz integra-se num importante grupo de artistas contemporâneos que canalizam os seus poderes criativos para quem vê os seus quadros, exaltando e inspirando.

 

Bernardo Pinto de Almeida

Há uma espécie de liberdade de dizer, nos poemas de Paula Cruz que é, neles, o que mais me cativa. Essa disponibilidade, que é uma grandeza de alma, têm-na os poetas como dantes a tinham os oráculos. Por ela se manifesta o que é da ordem do espírito, que é aquilo que não tem ainda forma e que, por isso mesmo, pertence à funda ordem de poesia.
Isto mostra-se por exemplo no carácter aforístico que esta poesia ganha, no que é intemporal, porque se é intemporal sempre que se abandonam as rotinas do raciocínio para deixar que, acima delas, fale o que é da ordem de uma voz interior. E voz interior é, também, coisa que se dá bem com o poema.
Por vezes são quase casuais, como um pensamento que se tem rente à experiência mas, de outras, são certeiros e mesmo perturbantes estes versos. Como quando nos dizem, quase secamente, que "o arrependimento é o temer/da responsabilidade do acto" ou "como num prato de espargos/o retorno do amor", no caso deste último um recurso metafórico tão completamente inesperado que aniquila qualquer identificação e instaura a percepção num nível de atenção diverso, propício à invasão que o poema pede.
É certo que, pela sua natureza quase bruta, com o que quero referir o seu pouco cuidado com a ordem musical a que a poesia não sem razões aspira, por vezes estes poemas se tornam quase cortantes. Ou então tão abstractos que dificilmente os seguimos no trajecto do seu dizer mais íntimo. Tal não implica, porém, que sejam por isso menos poemas ou que a experiência que referem não tenha a autenticidade que pedimos, no fundo, a toda a poesia.
Essa autenticidade dá-se a ver como se fosse ferida ainda por cicatrizar, resulta de um conhecimento quase tangível de certas experiências que são da ordem do que chamamos a vida do espírito. Como quando dois versos nos lembram que o "O universo olha-nos/porque nós estamos a olhá-lo".
Tal como nos poemas de certos místicos, muitas vezes temos de procurar nestes os momentos em que o fluxo da imaginação atinge aquele estado em que duas palavras riscadas uma contra a outra acendem uma chama inesperada. É aí então que eles ganham o seu brilho, à luz de uma compreensão intensa do que na palavra se revela como evocação das magias. O que permite que se escreva "Eu também sou/um ser de luz".

 

 

Francisco Silva Nobre
Presidente da Academia de Letras do Estado do Rio de Janeiro

Poesia do Inconsciente - O crescente intercâmbio cultural Brasil-Portugal traz à nossa apreciação a obra de mais uma poetisa de valor: PAULA CRUZ. Os seus versos fluem em nosso devaneio, tocando a sensibilidade com a mesma emoção com que a autora os concebeu no seu subconsciente, tanto que, para bem assegurar a sua criatividade, prefere expressar-se na primeira pessoa, fazendo o leitor co-partícipe do processo de criação.
A poesia nasce do íntimo de cada um de nós para expressar o que nos vai na alma: alegria, conflitos, dúvidas, desejos, amor... Algumas vezes ela atinge o coração e se mostra prazerosa, atractiva, mística, divinizante, em outros casos, ela se retrai às raízes mais profundas do pensamento, imprimindo ao que nos cerca uma visão superior limitada, agressiva, contundente. De um lado a vida rósea, quando sonhos traduzem apenas despreocupações, sem maior ligação com o que possa acontecer, de outro, a ânsia da descoberta, da novidade, mergulho no desconhecido como faz PAULA, levando-nos a indagações para as quais muito poucas pessoas encontram explicações no seu onirismo desconcebido.
A simples classificação da literatura e de arte em popular ou culta é apenas o primeiro degrau de uma escada cuja altura não podemos prever; a cada degrau galgado uma descoberta ou indagação de nós se apossa e depende de nós somente aceitar, compreender, interpretar o sentido dessa nova etapa. O género popular apenas expõe uma realidade, enquanto o culto leva o leitor a esforços de pesquisa; no cinema uns gostam de singeleza, das aventuras sem maiores comprometimentos, outros se encantam e extasiam com as obras de Antonioni, Renoir ou Glauber Rocha, incompreensíveis para muitos. Na poesia, as opiniões também se dividem.
A poesia de PAULA CRUZ, hermética, instigativa, freudiana, emerge de um subconsciente onde nem todos mergulham, traduzindo na realidade, na liberdade ampla de sua elaboração, a sensibilidade de quem busca penetrar e interpretar a seu modo o universo de contradições de uma época em que cada um vive no seu casulo e reage à acção do vento que pode impulsioná-la para destinos menos absurdos, como se lê da poetisa, "não se pode escrever...coisas sem as ter pensado antes de as sentir, mesmo emocionalmente".

 

 

Pedro Barbosa

Pode um texto nascer do nada? Os entendidos entendem que não: e falam de intertextualidade, de diálogo entre as vozes, de cruzamentos de discursos. Em suma: do texto como lugar geométrico de outros textos, ponto simultâneo de centripetação e de centrifugação de leituras outras.
PAULA CRUZ, com este livro, vem demonstrar que nem sempre é assim.
Texto-poema, longo monólogo interior onde uma voz desce ao pleno vazio da sua interioridade. Uma meditação transcendental para a noite do seu eu em relação com o cosmos, noite que se vai transfigurando progressivamente em luz à medida que o seu caminho, o seu TAO, evolui sobre o labirinto das palavras, das metáforas, das imagens.
O fluxo de uma voz interior exteriorizada. É também essa a função da palavra poética: o reencontro com o profundo e o estabelecimento de um elo osmótico com o universo através da energia que emana do verbo. Místico, este longo texto-voz-poema-epopéia interior? Cósmico, cosmógonico, intimista? Sem dúvida.
PAULA CRUZ confessa que escreve mas não lê. E é essa originalidade que está na génese do seu texto: a de uma voz poética que se exprime apenas pela autenticidade do reencontro da palavra com o seu eu profundo na sua fusão cósmica com o universo que a integra.
O ponto zero de uma criativa originária. Um discurso solitário no silêncio das vozes.

 

DE QUE FALAM AS PINTURAS?

- Pedro Barbosa

Os livros serão papéis pintados com tinta, sem dúvida, e esse foi, em um momento mais céptico, o ponto de vista do poeta.
Que será então a pintura? Telas escritas com cores?
Entre o Douro e as velhas vielas de uma ribeira histórica, cheia de restaurantes nocturnos, escondem-se as telas, grandes e faustosas, da pintora. Tem ela o seu refúgio numa casa ali alcandorada desde o Século XIV, após ter servido de estalagem a reis, malfeitores, embuçados de capa e espada.
O silêncio do espaço aborda-se à bela paisagem do rio, deslizando em curvas, numa atmosfera de fumos orientais, alguma música e casacos compridos pendurados. É aí que as telas se interrogam, recostadas a um silêncio pesado. Entreolham-se: que estamos nós aqui a fazer? É uma pergunta sábia para o gesto naif que as fez nascer. Uma existência vocacionada para um expressionismo abstracto ou figurativo?
O tamanho das telas equivale-se com os anseios da pintora? Mas será que isso importa?
Será que tem a vida humana sentido quando a doce curva de um rio se pode espreitar melancolicamente da janela em cada entardecer?
E qual o sentido das telas ali secretamente abandonadas e agora expostas?
As cores fortes, sempre fortes, marcadas pela emoção e pela espiritualidade. Idiossincrasias quase fisiológicas traçadas em acrílico, gesso, esmalte, carvão, vernizes, pigmentos, alcatrão, cola e objectos vários - técnicas mistas autodidactas respirando incenso. O misticismo espontâneo das cores: imagens sem forma, formas evanescentes das cores.
A ausência de qualquer sentido ?
Responde a pintora : " O universo olha-nos porque estamos a olhá-lo ". E diz, acrescenta, que pinta com a alma. E uma forma negra de mãos unidas em prece no feminino olha-nos a partir de um quadro com toda a humildade de uma resignação sem palavras.
Entra-me na memória a imagem impressiva de um útero e de um cérebro ligados entre si por um cordão visceral, e um obliquo olhar enorme esperando com serenidade o feto que embrionava silenciosamente naquela gravidez calada como se apenas guardasse a hora da sua vez para entrar num mundo cujo sentido secreto se fechava naquele gigantesco ponto de interrogação a guache amarelo que reconstituía contornos interiores do seu ventre gerador: vagina, útero, embrião.
Responde a poetiza: " O brilhar esquálido do sonhar que mortifica a virgindade da semente que nos consome reenviando para mim a sensação de viver".
De que me falam aquelas pinturas? È com cores que as ouço nos ouvidos. Mas que pode tudo isso interessar se posso ir ver a luz do entardecer à curva da janela virada para o rio com a mesma indiferença pacífica das telas encostadas ali umas às outras e condenadas ao silêncio de nada dizerem? Que dirão elas entre si? Que pensarão elas de mim? Ou do rio?

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